Tudo bem não ser normal e a responsabilidade do audiovisual

 

It's okay to not be okay, também conhecido como Tudo bem não ser normal, teve seu último episódio lançado domingo passado, dia 09 de agosto. Considerado por muitos dorameiros como o dorama do ano, a produção abordou diversas temáticas delicadas. 

Os temas abordados são extremamente relevantes e levantou muitas pautas no meio da psicologia, mas o que quero refletir aqui é sobre a visão do audiovisual. O ponto de intersecção entre a psicologia e o audiovisual. Não tenho propriedade para falar sobres as questões psicológicas do drama, mas posso refletir sobre a perspectiva radialista. 

Tudo bem não ser normal conta a história de Ko Moon Young (Se Ye-Ji), uma escritora de livros infantis que tem transtorno de personalidade antissocial, e Moon Gang Tae (Kim Soo Hyun), um enfermeiro voluntário que trabalha em hospitais psiquiátricos. Os dois vivem um romance contra todas as expectativas onde enfrentam traumas escondidos e vão tentar superá-los. Para fechar o trio principal com chave de ouro, há o irmão de Gang Tae: Moon Sang Tae (Oh Jung Se), um homem que possui Transtorno de Espectro Autista (TEA) e tem um enorme talento para desenho, além de ser muito fã de Moon Young. 

Gang Tae e Sang Tae

Gosto muito do clima de contos de fadas que o dorama propõe, trazendo mais para os contos dos Irmãos Grimm do que Walt Disney. Já que os contos originais nasceram em épocas sombrias e se utilizavam de histórias macabras para causar medo, e não esperança por um príncipe em um cavalo branco. A maneira que as histórias dos livros se entrelaçam com a narrativa dos personagens e deixam uma reflexão é muito delicada e especial. 

Logo no seu lançamento, o drama já era chamado de inovador. Na Coréia do Sul, ainda há muito preconceito sobre saúde mental, então um drama que aborda isso realmente é algo relevante. Muitos dramas (alguns que eu já vi inclusive) retratam transtornos e deficiências com uma certa superficialidade que beira ou entra até no estereótipo, e utilizam dessas características de forma totalmente irresponsável.

Um exemplo de narrativa que se utilizou de temas delicados de maneira irresponsável foi a produção estado-unidense, também distribuída pela Netflix, 13 Reasons Why (2017). Mesmo tendo muitas críticas na época, a Netflix bebeu dessa fonte por 4 temporadas. Na época da primeira temporada, conheci o documento da Organização Mundial da Saúde (OMS): "Prevenção do Suícidio: Um manual para profissionais da mídia". Ele foi muito divulgado, discutido e citado quando lançaram 13 Reasons Why. 

Tudo bem não ser normal não tem como tema central o suicídio, mas retrata muitas pessoas com transtornos psicológicos. Às vezes, o drama entra no assunto suicídio, mas nunca o coloca como foco. Não encontrei um regulamento sobre produções com temas de transtornos e doenças mentais, mas acredito que o documento da OMS sobre o suicídio serve como base para esses temas também. 

O interessante é que li as indicações da OMS no documento e o dorama cumpre todos eles, tanto na temática suicídio, quanto em temas de doenças mentais. Ao contrário de 13 Reasons Why que lança várias cenas extremamente delicadas ao espectador, Tudo bem não ser normal aborda situações complexas com mais sensibilidade e cuidado. O kdrama possui gatilhos, mas os aborda com mais delicadeza. 

Os personagens não se limitam a seus transtornos ou traumas. Eles são construídos através de arquétipos, não estereótipos. O trio principal é complexo e redondo. Eles possuem sonhos, anseios, preocupações, medos e traumas que vão se abrindo a nós ao longo dos episódios, sendo superados e alcançados. Uma passagem que define Tudo bem não ser normal é a que está presente no livro Story: Substância, Estrutura, Estilo e Os Princípios da escrita de roteiro (2017) de Robert McKee:

"A estória arquetípica cria ambientes e personagens tão raros que nossos olhos saboreiam cada detalhe, enquanto sua narração ilumina conflitos tão verdadeiros à humanidade que ela viaja de cultura em cultura." página 18.

É muito bonito ver os personagens principais se desenvolvendo, evoluindo e superando juntos. O melhor é que em cada momento um se apoia no outro e nos ensina como nossa presença é essencial na vida do outro. E o mais importante: como nossas atitudes afetam as pessoas. A série fala muito sobre a importância do afeto, de se sentir acolhido tanto na infância como na vida inteira.

Baixei essa ilustração do twitter e
achei linda,
mas não encontrei o autor.

Uma questão importante do dorama é que os traumas são superados tanto pelo afeto, quanto pelo acompanhamento psiquiátrico do Diretor Oh. Não há romantização de traumas. Traumas precisam ser tratados com pessoas especializadas e com apoio familiar. E acho essa questão importantíssima! Quantas séries e filmes não vemos as pessoas se curando de traumas e transtornos como mágica? 

O dorama fala sobre amizade, afeto, amor, empatia, família, superação e tratamento de transtornos e traumas, etc. Como eu disse, ele não fica focado apenas nos transtornos, mas em como são pessoas que necessitam de atenção, carinho e empatia como todas as outras. 

Às vezes, ficamos com um certo receio de abordar temas delicados em nossas produções e conversas, mas a ignorância é a pior opção que podemos fazer. É muito importante que as produções audiovisuais abordem essas temáticas com responsabilidade e abertamente, trazendo a empatia e o respeito em primeiro lugar. As narrativas podem abordar diversas temáticas e esclarecer muitas coisas, além de levar representatividade àqueles que se sentem rejeitados pela sociedade. Nós, como produtores audiovisuais e seres humanos, podemos sempre contar com a ajuda de profissionais das áreas para nos informar e ajudar em assuntos que não conhecemos tanto assim. O audiovisual pode deve ser uma ferramenta de informação à sociedade. 

Outra frase que pode nos esclarecer sobre a responsabilidade do audiovisual está presente no livro: Da criação ao Roteiro (2018) de Doc Comparato:

"São três as funções essenciais do audiovisual: entreter, informar e formar. Entreter a alma no sentido aristotélico do drama, abrir espaços interiores, fazer da tela janela para o mundo e espelho mágico. Informar. Jamais desinformar. Aguçar a curiosidade que leva à busca do saber e do pensar. Formar. Jamais deformar. Atuar de uma maneira que por instantes  possa estimular a formação de seres humanos melhores. Essa é a nossa verdadeira guerra." Página 603. 

E o que eu entendo de Tudo bem não ser normal é que ele cumpriu seu papel de informar e trazer empatia. Quantas pesquisas sobre os transtornos apresentados não foram feitas? O quanto não conhecemos sobre o Transtorno de personalidade antissocial através da Moon Young? Ou sobre o TEA com o Sang Tae? O quanto não sentimos empatia por todos os pacientes? Entendemos seus traumas e suas esperanças? Tudo bem não ser normal realmente é uma produção que entretém, informa e forma. 

Finalizo com uma frase do Diretor Oh que me marcou no episódio 15:

 "As pessoas ficam juntas porque são fracas. Nós nos apoiamos [assim]. É o que nos torna humanos."  

Algumas fontes que usei: Nerdtrip; Tribernna.

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